O professor da Universidade de Aveiro, Carlos Costa, sempre atento as mudanças na área de turismo, publicou esta interessante resenha sobre algumas relações e perspectivas entre Turismo e Viagem. Apesar de, claramente, a viagem ser um dos objetos de estudo do Turismo, neste texto o professor alerta para diversos aspectos derivados deste ato... apaixonante!
Todos sonhamos em fazer turismo … o turismo permeia as nossas vidas. Mas não é verdadeiramente turismo o que nós queremos fazer. O que todos queremos mesmo é viajar, é voarmos para longe, pormos um sorriso nos lábios e sermos felizes!
O que nos realiza como seres humanos é a coisa mais simples do mundo: é sermos felizes. E a felicidade não é uma construção física ou material, mas sim e apenas um estado de alma.
Estamos felizes quando nos encontramos com nós próprios, quando entramos no nosso parque natural do ‘ser’, que não é equivalente ao do ‘ter’. A felicidade é um refúgio dentro de nós próprios, mesmo quando estamos com os outros. Acreditem, a felicidade é uma coisa mesmo muito simples, amplamente democrática e até irónica: podemos ser muito mais felizes, mesmo quando gastamos muito pouco dinheiro.
Um dos combustíveis mais importantes para a felicidade é a viagem! A viagem é um dos elementos mais importantes e estruturantes da felicidade. A viagem não é algo apenas dos nossos dias. A viagem foi sempre, e sê-lo-á no futuro, um elemento estruturante da humanidade, das civilizações e da construção do nosso interior. As viagens dos Portugueses na epopeia das descobertas, Marco Polo, as sete semanas em balão de Júlio Verne, o Expresso do Oriente, o filme África Minha, a ida à Lua, a imagem do sonho pintado de azul a partir de uma estação espacial, ou quando orbitamos na ideia de uma viagem a Marte, representam testemunhos paradigmáticos de que a viagem é um dos troféus da felicidade nas nossas vidas. O ‘grand tour’ (viagem que se fazia no tempo das monarquias, em que os jovens só eram admitidos na corte depois de fazerem uma viagem e conhecerem mundo) é um conceito que vem do passado e vai continuar sempre atual, porque, mudando na forma, continuará sempre igual na sua essência, que não depende de modas: é resultado do nosso crescimento e maturação interiores e da nossa aceitação por parte dos outros.
Mas a viagem é particular e intrigantemente mágica, porque a distância é muito relativa.
Podemos correr muito e fazermos milhares de quilómetros e viajarmos pouco. Podemos desatar a correr por esse mundo fora e sentirmo-nos presos dentro de nós próprios, como que sem asas. Podemos viajar até países longínquos, onde quer que seja, e sentirmo-nos no final vazios e insatisfeitos, porque não descolamos e não elaboramos dentro de nós próprios. No final, o que conta mesmo é viajar nas galáxias dos nossos sentidos e da nossa imaginação. As experiências das viagens (geográficas, etnográficas, culturais, ambientais, económicas … e, pois claro, emocionais!) são os ‘flashes’ que as nossas emoções vão reter no futuro.
As ‘experiências’ estão, assim, a tornar-se os ‘cornerstones’ das viagens e do mundo do turismo.
Não basta, pois, aos destinos possuírem ‘atratividade bruta’, possuírem recursos potencialmente excelentes … o que é preciso mesmo é que os destinos consigam alavancar os nossos sentidos e nos transportem para o olimpo das emoções e das experiências. E porquê?
Porque o ingrediente central da viagem é o ‘escape’. Nós só viajamos efetivamente quando nos sentamos no transporte do ‘devaneio’, quando compramos um ingresso de transporte para dentro de nós próprios e quando nos escolhemos a nós próprios como penduras nas nossas viagens. Nós só viajamos verdadeiramente quando levamos a evasão como companheira de viagem, quando nos libertamos e carimbamos no nosso passaporte dos sentidos os lugares por onde passamos. Viajamos quando pomos um sorriso nos lábios e quando bajulamos o nosso mundo interior e exterior com a nossa viagem. O ser humano viaja quando se encontra consigo próprio quando está sozinho, ou quando transporta o seu ego intacto, distribuindo afetos no meio de uma multidão que o rodeia. Conseguimos viajar anonimamente, ouvindo sozinhos Vivaldi ou quando experienciamos a magia das relações no meio de um concerto de rock.
Quem viaja, fá-lo para sentir faustosamente que viajou.
Somos faustosos incognitamente para nós próprios ou publicamente com os outros. Os viajantes são, com graus de intensidade e interiorização ou exteriorização variáveis, seres claramente exibicionistas. A exibição pode variar entre a nossa manifestação contida em privado, sob a forma de um sorriso exuberante em frente ao espelho a dizermos a nós próprios ‘yeeessss!’, ou quando mostramos ao mundo, através do Facebook, o troféu fotográfico das nossas conquistas. Ter consciência do que é realmente a viagem e este novo, mas que sempre foi arqueológico, turismo, que é igual a todos os turismos que foram sempre feitos, porque o turismo é uma atividade intemporal dos sentidos, é mudar radicalmente a academia e a indústria do turismo.
É mostrar aos governos, aos políticos e aos académicos que é preciso questionar e redirecionar as políticas, porque o que interessa mesmo é a causa das coisas.
Aquilo de que temos de ter consciência é que as definições de turismo que temos de adotar são as definições holísticas de lazer: o turismo é um estado de alma, é um estado de espírito que pode acontecer em qualquer situação; o turismo acontece quando viajamos, quando estamos numa festa ou num concerto, mas turismo pode acontecer em qualquer situação; o turismo escreve-se na dimensão do devaneio; o turismo pode e deve estar presente quando estamos numa sala de aula, numa reunião de trabalho, numa conferência.
O turismo não pode continuar, pois, a ser definido numa perspectiva orgânica, correspondente a um bloco autónomo e isolado de tempo que tem lugar depois de satisfeitas as necessidades biológicas e de trabalho (tecnicamente designados como tempos de existência e de subsistência).
É, pois, dentro destes parâmetros que, cada vez mais, se vai escrever o futuro do turismo. O turismo é uma indústria de sensações, não de blocos de betão que se constroem em cima de dunas de areia. O sucesso no turismo é conseguirmos ser campeões das viagens que se fazem lá para fora e cá para dentro. E depois disto tudo, aí sim, compreendermos as dinâmicas, as operações, a logística e a economia com que se podem criar negócios para o setor, levar desenvolvimento para as comunidades locais que recebem os turistas e sermos ambiental e economicamente responsáveis.
Fonte: http://gerireliderar.com/o-mundo-do-turismo-e-o-mundo-da-viagem/
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